Suplementos alimentares no atleta – Cada cabeça, sua sentença!

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A crescente acessibilidade dos suplementos alimentares de venda livre veio relançar o tema da suplementação alimentar, quer em atletas de alta competição quer na população em geral.

São muitos os suplementos nutricionais que estão disponíveis no mercado, mas são poucos os que têm base científica para a sua utilização.

Para início de conversa importa perceber o que está incluído no termo “suplementação”. Define-se como “suplemento” todas as substâncias consumidas em acréscimo à alimentação habitual, desde vitaminas e minerais a produtos mais específicos, como β-alanina ou creatina. O termo “suplemento ergogénico” é utilizado para denominar suplementos que tenham como objetivo potenciar o rendimento desportivo. Neste contexto, é comum a utilização do termo “alimentos e bebidas desportivos” que inclui produtos como barras energéticas, bebidas energéticas, entre outros. Por último, existe ainda o termo “suplementos médicos” que inclui multivitamínicos e/ou multiminerais, vitaminas e minerais isolados e suplementos de ómega 3 cuja toma deveria ocorrer apenas se recomendados por um profissional de saúde.

A suplementação é uma prática corrente no mundo do desporto. Porém, e independentemente da definição, são poucos os suplementos que, cientificamente, comprovaram ter um efeito benéfico no rendimento desportivo.

Quando pensamos nos riscos associados a estes consumos importa ter em atenção que muitos dos produtos de venda livre (sobretudo se vendidos na Internet ou locais mais

obscuros/ duvidosos) não passam pelos criteriosos testes pelos quais passam os medicamentos. São frequentes os casos em que o conteúdo do suplemento não corresponde ao descrito no rótulo. Para desportistas/atletas (que são sujeitos a testes antidopagem) existe ainda o risco de contaminação destes produtos com substâncias proibidas no desporto.

Perante estes casos, para além das consequências nefastas para a saúde do atleta, existe, ainda, o impacto negativo a nível desportivo, como suspensão/penalização pela Autoridade Antidopagem de Portugal (AdoP).

Os riscos associados ao consumo de suplementos não certificados são muitos. Os esteroides anabolizantes são o caso mais típico e conhecido. Os esteroides anabolizantes incluem a testosterona ou similares e são usados para aumento da massa muscular. Os efeitos adversos descritos incluem disfunção erétil/infertilidade, aumento do pelo, alterações da voz, alterações do apetite, entre outros. Acrescem a estes, os efeitos adversos psicológicos que cursam com alterações do humor, maior irritabilidade e até maior agressividade. Em jovens, pode ainda interferir no desenvolvimento dos ossos, comprometendo o crescimento.

Para além dos riscos acima referidos, que podem ser irreversíveis e são muito graves, há, cada vez mais, estudos que apontam para o risco cardiovascular destes produtos. Assim, consumidores de esteroides anabolizantes têm maior risco de sofrer de hipertensão arterial, dislipidemia (aumento do colesterol), enfartes agudos do miócardio, acidentes vasculares cerebrais, etc.

Concluímos, então, que os benefícios são ténues e pouco duradouros, enquanto os riscos são incalculáveis, potencialmente graves e irreversíveis. O que leva, então, um atleta a consumir estes produtos?

A causa mais comum é a procura de uma imagem corporal e/ou um rendimento desportivo superior, sem grande esforço para tal. No entanto, como referido anteriormente,

não há provas científicas do benefício da maioria dos suplementos no rendimento desportivo.

Alguns suplementos (por exemplo agentes alcalinizantes, creatina, proteína, entre outros) mostraram evidência na avaliação de determinados parâmetros (ex. quantidade de massa magra de um atleta), mas o seu efeito global na performance desportiva é altamente variável ou mesmo negativo. A metabolização e utilização destes componentes varia com de acordo com as caraterísticas de cada atleta pelo que os resultados obtidos e os efeitos adversos são altamente variáveis. Assim, é importante que seja combatida a vontade de um atleta consumir determinado suplemente só porque alguém o toma.

Em abono da verdade, é importante referir que suplementos ricos em nutrientes essenciais podem ser uma opção provisória em situações de restrição alimentar/défices nutricionais. Nestes casos, a sua utilização só terá efeitos positivos no rendimento se a suplementação corrigir um desequilíbrio alimentar. Ou seja, se o atleta já ingerir um determinado micronutriente em quantidades suficientes, adicionar um suplemento com o mesmo micronutriente não terá qualquer vantagem desportiva.

Note-se que Comité Olímpico Internacional (assim como nutricionistas, fisiologistas e especialistas em medicina desportiva) referem que o uso de suplementos não compensa uma pobre escolha alimentar e uma alimentação inadequada. O foco principal da preparação de um atleta deve incidir no consumo de uma alimentação variada e equilibrada, adaptada à atividade desportiva e à individualidade do organismo do atleta em questão. Em atletas jovens, esta suplementação deve ser especialmente desencorajada visto que são alvos primordiais para educação sobre alimentação saudável e hábitos de vida saudáveis.

Em relação aos multivitamínicos/ multiminerais, vulgarmente chamados de “suplementos médicos” importa referir que também estes podem ter riscos. A sua procura tem crescido de forma exponencial e as indicações para a sua utilização são, por vezes, controversas. À semelhança do que acontece com os macronutrientes, existem doses diárias recomendas para cada micronutriente, acima das quais o seu consumo pode ser tóxico.

Por exemplo, a ingestão prolongada de doses elevadas de ácido ascórbico (vitamina C) pode resultar em formação de pedras nos rins, diminuição do tempo de coagulação e problemas gastrointestinais; o excesso de zinco induz uma deficiência secundária de cobre e faz diminuir a concentração do “bom” colesterol (HDL).

No entanto, tais efeitos acontecem o uso prolongado e em doses elevadas e o seu consumo pontual não acarreta riscos valorizáveis.

As “bebidas desportivas” são constituídas, na maioria das vezes, por vários tipos de hidratos de carbono, como sacarose, glicose, frutose e galactose, entre outros.

De acordo com alguns estudos, o facto de fornecerem uma combinação de hidratos de carbono leva a que estes sejam absorvidos através de vias distintas, o que significa que um maior aporte para os músculos. Assim, a sua utilização baseia-se no princípio do “combustível energético”. Quando a duração do treino ultrapassa os 60 minutos, a ingestão de uma bebida desportiva pode potenciar resistência e performance do praticante. Acresce a este benefício a necessidade de hidratação inerente à prática desportiva, pelo que o consumo destas bebidas pode ser uma boa fonte de reposição de hidratos de carbono, mas também de água e sais minerais. A correta hidratação durante os treinos e competições tem influência na performance, mas também na recuperação do atleta.

Assim, as bebidas desportivas parecem ser os “suplementos” menos prejudiciais e com maiores benefícios comprovados.

Ressalve-se, no entanto, a necessidade e monitorização e controlo da qualidade e da quantidade de produto consumido.

Assim, apesar da crescente publicidade e informação pouco credível que circula, a maioria dos atletas não tem indicação e não deve recorrer a suplementação.

Em casos pontuais, a decisão deve ter em conta o estado de saúde do atleta, as exigências da modalidade, o custo-benefício do uso desse suplemento e os riscos para a saúde e performance.

Perante a possibilidade de haver ou não indicação para suplementação deve procurar-se aconselhamento junto de um profissional credenciado para tal.

Como diz o ditado: Cada cabeça, sua sentença! Por isso, antes de agir pela cabeça dos outros ou por informação pouco credível, deve procurar-se ajuda junto de quem sabe.

Ana Carla Guimarães

Mestrado integrado em medicina na universidade do Minho

Pós-graduação em medicina desportiva na FMUP

Interna medicina geral e familiar

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