Sérgio Esteves: “Os italianos do Fiamme Gialli diziam que nós éramos como o Maradona e que snifávamos”

 
  

O que é feito de ti?

Desde finais de 2010, exerço a minha profissão de Engenheiro Civil em Moçambique. País aonde trabalharam figuras maiores da Natação Portuguesa: o Eurico Perdigão e o José Sacadura. País de nascimento da minha referência como jovem nadador Rui Abreu.

Quais foram os principais momentos que viveste como nadador de alta competição?

Os Jogos foram um momento importante, mas a caminhada que foi feita antes e depois foi fantástica. Lembro-me duns 50 livres numa Taça Latina em Buenos Aires (1987) em que fui bronze perdendo com dois finalistas olímpicos e campeões da Europa, Stephan Caron e Giovanni Franceschi. Na altura soube a pouco… mas fiquei feliz. Também me recordo duma estafeta de 4x50L nos Campeonatos da CEE em que o Porto foi bronze. No final, os campeões italianos do Fiamme Gialli apontavam para nós e diziam que nos éramos como o Maradona e que snifávamos. Na altura, a nossa estafeta tinha o Trindade e o Mabílio e era preciso ter muita estaleca para nos ganharem. Passadas décadas guardo grandes amigos desta “caminhada”. As competições, as equipas, os ambientes, as viagens… tirei e tiro um grande prazer da Natação.

O que achas atualmente da natação portuguesa?

Nos anos mais recentes, a Natação em Portugal está mais democrática, consolidaram-se realidades como a “Natação Adaptada”, “Masters”, “Águas Abertas”… e a “Internacionalização da Natação Sincronizada”. Contudo, no passado fim de semana, o Fluvial jogou a Champions e perdeu 28-1 contra o Verona e 20-2 contra os russos do Kazan, apesar de ter jogado cara na cara com os turcos. O Verona e o Kazan são do primeiro mundo do Polo Aquático, mas em 84 o CDUP já tinha perdido por 27-1 com o Berlim e ninguém do CDUP gostou (apenas se disse para fora que não era mau). Tenho a certeza que à data a derrota doeu e os jogadores sonharam que um dia seria diferente. 30 anos depois não foi muito. Nos Jogos, o Alexis ficou em 12º e queria mais. O Alexis não gosta de ficar em 12º. O Alexis quer lutar por uma medalha. Ele tem a sua ambição muito clara. A Tamila teve uma boa prestação de arranque e sonha chegar a uma final. O Luís Cameira sonha com muito mais do que uma final… o Yokoshi foi à final em Los Angeles (84) e de seguida foi prata nos Europeus (Sofia 85)… Nós também queremos a Tamila na série da Ledecki. Mas a Tamila, o Alexis e o Diogo não chegam… são precisos mais… e todos eles com ambição… os que temos formados e os que temos que formar. Formar um atleta de elite leva 2 a 3 ciclos olímpicos… ou seja, pelo menos 10 anos, em que todos os pormenores contam. Mas entretanto já se passaram 3 ciclos destes desde os 80s e o espaço que nos separa dos melhores não diminuiu. Temos que assumir a nossa ambição. Temos piscinas como não tínhamos há 30 anos. Temos recursos técnicos, académicos capazes, médicos do desporto, psicólogos, nutricionistas, os nossos treinadores estão formados e com acesso à informação, temos experiência. Não podemos passar ao lado desta oportunidade e continuar escondidos atrás do sistema! Temos que nos comprometer com o futuro e redesenhar os planos. Perceber e ser capaz de mudar o que não funciona. Escolher, estimular e trabalhar os grupos de talento. Temos de estar a 100%, durante pelo menos uma década… para melhorar na seguinte.

Pensas um dia regressar à modalidade numa outra função?

Na verdade nunca me afastei muito da modalidade. Tive uma carreira competitiva que terminou em 95, no ano em que me licenciei. Em 96 nadei pela universidade de Strathclyde/Glasgow aonde fiz um mestrado. Depois, e já a trabalhar em Lisboa, joguei polo no Belenenses e poucos anos depois estive ao lado do Paulo Frischknecht, num dos seus consulados na Federação. Desde a época passada sou nadador master do Clube Golfinhos de Maputo, clube de origem do Olímpico do Sporting – Igor Mogne. Nas visitas a Portugal tenho representado o Clube Fluvial Portuense, clube que me abre as portas e a quem faço questão de agradecer. Sem prejuízo das intermitências, a Natação faz parte do meu ADN, quero voltar a estar com a natação portuguesa a 100 por cento.

Que conselho darias aos jovens nadadores que sonham competir ao mais alto nível?

Que acreditem e trabalhem para os vossos sonhos. A 100%. Preparem-se para um longo percurso e desfrutem da viagem. Tenham presente que o apoio dos vossos pais e família é essencial.

Foto: Sérgio Esteves ao centro

CV (1978-1995):

– 82 vezes recordista e 104 vezes campeão de Portugal (4º mais vitoriosos de todos os tempos), em todos os escalões etários e diversas especialidades;

– Jogos Olímpicos Seoul 88 (31º/71), Campeonatos da Europa Estrasburgo 87, Campeonatos do Mundo Madrid 86 (29º/51), Universiadas Shefield 91;

– Taça Latina Buenos Aires 87 (3º); Taça CEE Luxemburgo 88 (3º); Taça CEE Eindhoven 91 (3º).

 

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