Rui Lobo Bandeira: “O meu objetivo enquanto árbitro é mudar mentalidades”

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Rui Lobo Bandeira, jovem árbitro de 27 anos filiado na Associação de Natação do Norte de Portugal, aceitou o convite do Chlorus para relatar a sua primeira experiência a nível internacional no torneio HaBaWaBa, que decorreu em Tarragona (Espanha), bem como falar das suas origens no seio da modalidade e da arbitragem.

1 – Como é que surgiu o convite para este torneio internacional?

Antes de mais, agradecer-vos e aproveito para gratificar o vosso trabalho de partilha pela modalidade que têm feito ao longo dos últimos anos. Ter um jornal ligado aos desportos aquáticos é fundamental para existir um “boom” de procura pelas modalidades em Portugal, que bem precisam. 
Relativamente à questão que me colocam, o convite surgiu através de uma conversa informal com alguém ligado ao mundo do Polo Aquático em Espanha que conhece bem o campeonato português e propôs-me o desafio. Essa pessoa já me tinha visto a arbitrar por diversas vezes e de uma conversa surgiu então o convite. Não irei revelar a identidade por respeito, aproveitando a ocasião para lhe agradecer imenso a fantástica oportunidade que me deu.

2 – Sentiste-te apoiado pelos teus colegas árbitros, familiares e amigos aquando desta nomeação? Quais as mensagens que mais te motivaram?

A minha família e amigos mais próximos ficaram contentes claro. Eles sabem que gosto e que invisto muito tempo no Polo Aquático e na arbitragem. Quanto aos meus colegas, fui recebendo algumas mensagens a desejarem-me sorte para esta primeira aventura fora de Portugal.

3 – Qual é a sensação de apitar um jogo “fora de portas”?

Não tem nada a ver com a realidade portuguesa. Mesmo tendo ido apitar jogos de escalões de formação, as instruções que temos pela parte organizadora e de quem coordena a arbitragem são muito assertivas e concretas. Dizem-nos exatamente o que pretendem para o jogo. Além disso, Espanha, mais concretamente na zona da Catalunha, é o topo da Europa para o Polo Aquático. Os miúdos vibram com a modalidade. Posso dizer que havia equipas de sub-12 que jogavam facilmente nos sub-16 em Portugal e quase que me atrevo a dizer que o Sabadell (equipa que ganhou o torneio) era capaz de ser campeão nesse mesmo escalão. É uma realidade completamente distinta. O treinador quase que servia única e simplesmente para dar o aquecimento e ficava calado o resto do jogo. Os miúdos com 9-11 anos orientavam-se entre si dentro de água com uma qualidade técnica e tática surreal. Nem eu próprio achava possível rapazes e raparigas destas idades fazerem isto. Além disto, os treinadores quase que nunca falam com os árbitros. Sabem bem as regras e a instruções em vigor. Outra história que me fez ver a diferença de realidades foi o facto de num dos dias do torneio jogava-se a final da Liga dos Campeões feminina entre duas equipas espanholas. Toda a gente no torneio, pais incluídos, pegaram nos seus telefones, computadores e tablets e todos estavam a ver a final que foi transmitida em direto por um canal de televisão espanhol. Só por aqui, dá para ver bem o quanto vibram com a modalidade.
Outra situação curiosa foi o facto de alguns atletas e mesmo treinadores mais jovens, no final do jogo, virem ter comigo a questionarem-me o porquê de apitar algo sempre com o intuito de perceber as regras. Ter miúdos de 10 e 11 anos a questionarem-me as regras e a tentarem perceber o jogo numa idade tão precoce demonstra bem o profissionalismo que existe no país e a cultura que está incutida.

Foi uma experiência muito boa e enriquecedora, conheci muita gente ligada ao Polo Aquático em Espanha o que me fez perceber o nível que lá existe. Foi acima de tudo um grande momento de convívio e aprendizagem.

4 – Sentes que esta nomeação poderá ser uma oportunidade para eventuais nomeações internacionais?

Não penso muito nisso. Acredito em mim e sei que posso dar muito ao jogo enquanto árbitro. Invisto muito tempo no Polo para que esteja bem preparado nos jogos em que vou apitar. Não há um fim de semana que não vá a uma piscina, seja como árbitro ou espectador. Respeito muito os atletas e os clubes. Faço o meu trabalho o melhor que consigo e que sei e se quem de direito achar que tenho competência para subir de patamar agarrarei essa oportunidade claramente. Depois deste torneio, e depois de ter sido nomeado para a final, espero que mais convites destes surjam porque são esta “troca de realidades” que claramente nos permite crescer.

5 – Relata-nos um pouco sobre o torneio e a sua organização. 

Uma organização fantástica. Piscina espetacular, ambiente único, muitos voluntários, muitas equipas e tudo coordenado ao momento para que nada falhasse. O encarregado da competição, que também é o Diretor Técnico do CNRubí, era muito proativo e “respirava” Polo Aquático. Correu tudo muito bem. Aproveito para agradecer particularmente ao Ferran Pascual (treinador adjunto da seleção nacional portuguesa feminina), ao Club Natació Rubi, ao Marti Cercavins (responsável pela arbitragem no torneio e comunicação da BIWPA) e à BIWPA pela hospitalidade e por me terem proporcionado, até hoje, a minha maior experiência no mundo do Polo Aquático.

6 – Achas que esta competição é importante para a formação de um atleta que está a principiar no polo aquático? Porquê? 

Sem dúvida. É um torneio onde os atletas têm a possibilidade de competir com diversas realidades e com diversas equipas sempre com o objetivo de proporcionar uma experiência fantástica. Não tem a ver com a competição, mas sim com o ambiente e com o convívio. Além disso, os miúdos como estão em fase de aprendizagem, ao verem outras formas de jogar, assimilam ideias técnicas e táticas que lhes podem vir a servir no futuro. É um torneio que acima de tudo, atenta no convívio e aprendizagem. Tenho a certeza de que para as equipas do FOCA, Fluvial e Povoense foi muito produtivo e os treinadores saíram do torneio certamente com novas ideias e estilos de jogo.

7 – Focando agora em ti, foste guarda-redes de polo aquático durante largos anos em vários clubes, Gondomar Cultural, CEAT, CDUP e Paredes, tendo, inclusive, tido o privilégio de chegar a algumas fases finais e sido campeão nacional. Como é que foram esses tempos? Como é que ingressaste nesta modalidade?

Ingressei na modalidade como grande parte dos atletas naquela altura: Era nadador e cheguei ao ponto de rutura por todo o treino que estava associado para uma criança de 12 anos. Foi nesta altura que entrei para o Polo Aquático obviamente por ser um processo de transição natural (já praticava um desporto de água) e por influência familiar. O que mais levo de tudo isto, foram claramente as pessoas que conheci principalmente os meus melhores amigos. Tenho muitas saudades desses tempos, em que era feliz a fazer o desporto que amo e só tinha que ir treinar, ainda para mais, com pessoas de quem gostava muito.

8 – No decorrer deste percurso, houve alguém te inspirou (treinador, jogador)? 

Ao longo deste percurso, como jogador, existiram algumas pessoas que me marcaram. Além dos meus melhores amigos, que os conheci há 15 anos no Gondomar onde iniciei a minha formação e que hoje são um pilar fundamental na minha vida, foco 2 pessoas importantíssimas, que acreditaram em mim e me fizeram ver não só o Polo Aquático, mas também a vida, de outra forma. O 1.º, Paulo Borges, antigo treinador do CDUP, Salgueiros e do CEAT, onde o conheci. Para mim, o treinador (amador) mais empenhado e dedicado que o Polo Aquático português já teve e atrevo-me a dizer…. Terá! Fenomenal em termos táticos e que nos levou, no CEAT, a sermos campeões invictos no 1º ano de existência do Clube. Um treinador que muito batalhou por mim e que queria todos os dias que fosse melhor. Além dele, e esse sim, quase como se fosse um Pai para mim, Paulo Rafael. Antigo Presidente do Salgueiros e do CEAT. Foi a pessoa que mais acreditou em mim desde que o conheci. Acreditava mais em mim, do que eu próprio. Mudou claramente a minha forma de pensar e sempre defendeu que “Só com trabalho se chega longe” e hoje, sou como sou muito graças a ele. Obrigado aos dois!

9 – Tens algum momento que te tenha marcado pela positiva e/ou negativa?

Todos os momentos que privei com os meus melhores amigos na piscina e sem sombra de dúvidas o título de Campeão Nacional conquistado pelo CEAT. Foi a minha maior alegria ainda para mais porque defendi um penalty nos últimos 10 segundos. Foi uma explosão na bancada.

10 – Relativamente à arbitragem, como e quando é que decidiste ingressar “neste mundo”?

Comecei a apitar como a maioria começa – Nos treinos com 15/16 anos. Posteriormente, por influência da Mónica Silva (ANNP), que também jogava no Gondomar, fui tirar o curso regional por falta de árbitros e a partir daí ganhei um gosto muito grande e nunca mais parei.

11 – Há quem afirme que nem todos podem ser árbitros de polo aquático, uma vez que as regras são complexas e é preciso entender o jogo para as perceber. Qual a tua opinião sobre esta afirmação?

Concordo plenamente. Não só pela questão das regras, mas porque é um jogo em que tens que ver todo o campo (dos únicos desportos do mundo onde há faltas sem bola) e tens que decidir um lance em frações de segundo, se não já perdeste o ‘timing’ da falta. Para mim, um árbitro de polo aquático tem de ser um antigo jogador ou tem que ter estado ligado à modalidade muitos anos. É um jogo bastante complexo em que a maioria dos lances se passam em parte invisível (dentro de água). Tens de conhecer bem o jogo para saber as regras especificas. Se nunca tiveres sido jogador, como as vais saber?!

12 – Tens algum “ritual” de preparação para ajuizar os encontros?

Não tenho nenhum ritual específico. Ao contrário da maior parte das pessoas, detesto ouvir música antes dos jogos. Desconcentra-me muito (risos). Vou no meu carro a fazer o filme do jogo na cabeça e penso muito nas táticas que os clubes poderão usar para me preparar mentalmente. Defender pressing ou defender zona muda claramente o jogo.

O que mais faço como ritual e para mim essencial, em jogos mais importantes, tento chegar com 1h/50 minutos de antecedência. Tomo o meu café duplo e desço imediatamente para a piscina. O ambiente húmido, o barulho dos jogadores a nadar no aquecimento e o cheiro a cloro acalmam-me e deixam-me preparado e concentrado para o jogo.

13 – No final da época anterior arbitraste o segundo encontro da final do Campeonato de Portugal A1 Masculino entre o Fluvial Portuense e o Vitória SC que, como é do conhecimento geral, teve como vencedor os vitorianos. Quando saiu a convocatória final, qual foi a tua reação quando soubeste que ias apitá-la? Como é que foi ajuizar um desafio deste calibre?

Fiz uma boa época no geral e estava a contar apitar jogos importantes nas fases finais, mas sinceramente, não pensei que me fossem nomear para a final da 1.ª Divisão. Foi algo muito bom para mim pessoalmente. Com 26 anos, depois de milhares de jogos apitados, senti que foi um prémio por tudo o que fui evoluindo ao longo dos anos. Foi um misto de emoções. Fiquei bastante nervoso na altura devido à responsabilidade que era e sabia que toda a gente iria estar virada para mim. Acredito que fiz um jogo bom e ficará na minha memória para sempre, por bons e maus motivos.

14 – Um árbitro, seja de que modalidade for, está sempre sujeito às críticas. Ao longo destes anos, como é que consegues lidar com as mesmas? 

Vai se aprendendo a lidar com a chamada “maturidade” e com a experiência. Nunca fui uma pessoa que ligasse muito às críticas, principalmente vindo da bancada – Infelizmente a maior parte das pessoas não entende as regras e que o Polo Aquático é um desporto de contacto – mas já tive situações complicadas que nunca pensei viver. Nestes casos, entra a parte psicológica que foi aquilo que mais desenvolvi no mundo da arbitragem e que é fundamental no meu dia a dia. Agradecer também aos meus colegas árbitros e amigos que me ajudam em momentos mais complicados e mando um agradecimento especial ao Eurico Silva e à Natália Freitas. 

15 – Quais são os teus objetivos na arbitragem?

Levo muito a sério a arbitragem e respeito imenso o trabalho dos atletas e das equipas todos os dias. Gosto muito de ser árbitro de Polo Aquático.  Acredito que vejo o jogo de uma forma específica (como antigo jogador e árbitro) e acho que isso é muito bom porque analiso os lances de uma outra perspetiva. O meu objetivo é fazer com que as pessoas vejam os árbitros de uma outra maneira daquela que a maioria vê – prejudicar uma equipa e beneficiar outra – porque nós não estamos lá para isso. Se conseguir que algumas pessoas entendam que nós estamos lá para ajuizar o jogo, a aplicar as regras definidas, sem benefício ou maleficio para ninguém, já é um grande feito. Sou humano e da mesma forma que os jogadores falham penaltis e remates “1 para 0” em momentos chave do jogo, eu também falho. Estudo e treino muito para errar o menos possível, mas vou sempre falhar, isso é certo. O meu principal objetivo é esse mesmo: Mudar mentalidades, principalmente nos mais novos, e continuar a ter a oportunidade de melhorar e apitar até achar que já não tenho mais nada a oferecer ao Polo Aquático. 

16 – Que conselho dás aos árbitros que estão a “dar os primeiros passos”?

Para mim, o mais importante é terem postura, serem profissionais e respeitarem o trabalho diário das equipas, atletas e dirigentes sem caírem em servilismo. Isso são as premissas chave. Depois claro que é fundamental saber bem as regras, tentar fazer jogos de treino, apitar muito, aprenderem e ouvirem os árbitros mais velhos e, acima de tudo, ver muitos jogos. No final, com a prática, as coisas acabam por sair e depois é o “jeito” de cada um. Uns com mais, outros com menos. Acima de tudo, ter muita vontade de aprender, atitude mental positiva e nunca estarem na arbitragem por dinheiro – Isso é o pior que pode acontecer, até porque, ninguém vive disto.

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