Polo Aquático em Portugal: quando se mete água onde não se deve

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Artigo de opinião de João Carlos Pires*

Em 2020, por incentivo de colegas de equipa e de colegas, em geral, do polo aquático em Portugal, oriundos de outros clubes que não aquele onde jogava e ainda jogo, tomei a decisão de me candidatar a delegado dos jogadores de polo aquático na Assembleia Geral da Federação Portuguesa de Natação, responsabilidade que passei oficialmente a ter sobre mim desde setembro de 2020 e com a duração do ciclo olímpico, terminando assim este ano.

No desporto, bem como na vida profissional e pessoal, a excelência e não me contentar até alcançar a mesma sempre foram a minha motivação. Por isso mesmo, e tendo conhecimento do insuficiente trabalho levado a cabo pelos meus antecessores, que ora não representavam eficazmente os atletas de polo aquático em Portugal, ora não compareciam às Assembleias Gerais, não fazendo sequer os problemas chegarem junto de quem tem autoridade e responsabilidade de os resolver, tomei a decisão de tornar esta representatividade real, útil e dinâmica.

Para que tal fosse possível, entrei em contacto com todos os capitães de todas as equipas seniores a jogar em Portugal, quer masculinas, quer femininas, a fim de que me pudessem fazer chegar, após reunirem com os seus respetivos colegas de equipa, problemas, sugestões e propostas que fossem apresentadas nas Assembleias Gerais da FPN e em todos os momentos oportunos para tal.

O meu objetivo último era (e ainda é) dar voz a todos os jogadores junto da FPN. Acreditava que, ao fazer tal ação, estaria a contribuir para o crescimento do polo aquático em Portugal, para a sua dinamização e para a aproximação da Federação com os atletas, que assim teria acesso mais fidedigno a todas as questões que impactam o desporto pelo qual me apaixonei há 12 anos.

No entanto, para espanto meu, deparei-me com uma Direção, na figura do seu presidente, António Silva, que era o oposto de todas as motivações e ambições que me acompanhavam a mim e a todos os meus colegas de polo aquático. Foi com alguma tristeza que fui percebendo que o polo aquático era tratado de forma diferenciada pela FPN, mas uma diferença pejorativa, uma “quimera” da Natação em Portugal, como o Presidente da mesma apelidou a disciplina numa das Assembleias Gerais em que participei.

Foi um choque perceber que, por muito que me esforçasse, por muito que a comunidade do polo aquático em Portugal fizesse ou tentasse fazer, o descrédito, o desinteresse e a desmotivação da FPN para com a disciplina estariam sempre presentes.

A pandemia da COVID-19 foi um período difícil para todos, transversal a todos os setores da sociedade, mas a mesma, ainda que com as costas largas, não deverá ser justificação plausível para a diminuição e para o fraco investimento financeiro e organizacional no polo aquático em Portugal que se tem vindo a verificar ao longo dos últimos anos.

Por me ter formado em Engenharia e por gostar particularmente da transparência que a análise numérica representa, vejamos em concreto os valores investidos pela FPN no polo aquático em Portugal.

Em 2020, início do atual ciclo olímpico, as despesas anuais orçamentadas para o polo aquático foram de 240.000€. No ano imediatamente a seguir, esse valor desceu para 228.000€, tendo descido novamente em 2022 para 208.000€ e subido ligeiramente em 2023 para 229.500€. O valor orçamentado para o ano atual é de 235.500€, um valor que efetivamente parece começar a aproximar-se do valor registado no início do ciclo olímpico.

No entanto, comparemos a evolução com as outras disciplinas ao encargo da FPN. A natação pura passou de um valor orçamentado de 580.000€ em 2020 para 652.000€ em 2024. Na natação artística, nos mesmos períodos, o valor registado foi 118.000€ (2020) e 148.500€ (2022). Nos masters, em 2020 foi orçamentado um valor de 32.000€ e em 2024 o de 43.500€. Nos saltos, em 2020 o valor orçamentado foi de 5.000€ e em 2024 de 8.000€.

Não é preciso ser-se ou ter-se sido muito bom aluno a matemática para rapidamente nos apercebermos que se nas outras disciplinas da Natação em Portugal houve um aumento, em alguns casos mais significativo do que noutros, do valor orçamentado para despesas, no polo aquático a evolução não é de todo a mesma.

Vejamos agora o outro lado da moeda, o investimento organizacional, ou seja, do ponto de vista das Seleções Nacionais, Campeonatos Nacionais e iniciativas para a disciplina.

Apesar de ser prática comum em Portugal preparamo-nos para algo em cima do acontecimento, acredito sinceramente que os bons resultados só se obtêm com um investimento antecipado, estruturado e assente em pilares sólidos. Por isso mesmo, desde que assumi esta responsabilidade, uma das minhas maiores preocupações resultou no desinvestimento para com as ações de formação das Seleções Nacionais dos escalões de formação, que são escassas ou até inexistentes para alguns escalões, bem como para a diminuição alarmante do número de equipas femininas em Portugal, nomeadamente no escalão sénior.

Para se ter uma noção do quão alarmante é a situação feminina, há neste momento 5 equipas seniores a disputar o campeonato A1 2023/2024. Novamente para meu espanto, e tendo levantado a questão numa das Assembleias Gerais, para o Presidente da FPN isto não é de todo um problema, mas sim um motivo de orgulho. “Saber que há atletas portuguesas a competir no estrangeiro, em ligas com qualidade e que contribuem para uma seleção sénior feminina de alto rendimento é algo bastante positivo. Quem me dera a mim poder dizer o mesmo dos seniores masculinos.” Foram estas as palavras preocupantes proferidas por António Silva numa das Assembleias Gerais.

Desmistificando, a prioridade é ter uma seleção feminina forte, mesmo que à custa disso o campeonato de seniores femininos em Portugal fique em risco de não se concretizar nos próximos anos, podendo realizar-se o cenário em que Portugal tem uma seleção de seniores femininos, mas não tem sequer um campeonato em Portugal. A ambição, a meu ver, deveria ser de ter um campeonato o suficientemente forte e competitivo como nos outros países dos quais o presidente da FPN tanto se orgulha. Gostaria de relembrar a todos que o P em FPN significa Portuguesa.

No que aos seniores masculinos diz respeito, a situação é ainda mais grave, por muito impossível que possa parecer depois do que já expus. Portugal ficou de fora da qualificação para o Campeonato da Europa da disciplina por duas vezes, ambas por decisão da FPN que alegou falta de verbas para a inscrição da seleção no apuramento da competição.

Não ter uma seleção portuguesa sénior de qualquer modalidade no apuramento para uma competição de tão alto valor como o Campeonato da Europa deveria ser motivo de vergonha para quem é responsável por este tipo de decisões. Não é uma mera decisão, é a incompetência no seu estado mais puro, é o descrédito e o desinteresse a virem ao de cima. Novamente, o N em FPN significa Natação, mas dela fazem parte várias disciplinas nas quais está incluído o polo aquático.

Por fim (quer na minha análise, quer nas prioridades da FPN), as seleções masculinas e femininas dos diversos escalões de formação. São muito escassas ou quase nenhumas as ações de formação, as concentrações e estágios das seleções de formação em Portugal. Como consequência, obtemos resultados como os do Europeu de Sub-15, em 2021, realizado em Loulé.

Espantem-se, ou não, ao saber que a Seleção Portuguesa, automaticamente apurada para o Europeu por ser a anfitriã, iniciou a sua preparação para o Campeonato da Europa a meros meses do início da competição. Um campeonato da Europa não se prepara em meses. Prepara-se com anos de antecedência. Claro está que os resultados demonstram o quão insuficiente foi tal preparação.

Portugal perdeu todos os jogos que disputou, todos por goleadas que envergonham qualquer apaixonado português pelo polo aquático. Não ficamos em último porque uma das seleções apuradas não marcou presença. Ainda assim, a FPN fez questão de mencionar no seu Plano de Atividades que a presença e a prestação da seleção de Sub-15 foi “o melhor resultado de sempre” obtido em tal competição.

As goleadas históricas e a humilhação de não disputar qualquer jogo num Campeonato da Europa realizado no nosso país são motivo de orgulho para a FPN.

No entanto, os olhos devem ser postos no futuro, com os pés bem assentes no presente e aprendendo com os erros do passado. Ou melhor, assim deveria ser, uma vez que, ano após ano, continuo a aguardar por um plano estruturado para todas as seleções de polo aquático em Portugal.

Certamente há muitos outros temas que mancham a realidade do polo aquático em Portugal, como a inexistência de classificações e resultados atualizados por parte da FPN, cabendo essa responsabilidade a páginas nas redes sociais que informam a comunidade sobre informações que são da responsabilidade da FPN. De relembrar, novamente, que o F em FPN significa Federação.

Para terminar, deixando desde já claro quais serão as minhas intenções, não tenho qualquer ambição de ocupar nenhum cargo na FPN. Tenciono inclusive terminar a minha representatividade no final deste ciclo olímpico, não me candidatando para o próximo, dando assim oportunidade a que outros atletas interessados possam também eles representar o polo aquático na Assembleia Geral da FPN e tentar a sua sorte. Reforço que durante este ciclo olímpico não fui remunerado por esta representatividade, nem sequer tive qualquer vantagem pessoal ou profissional associdada à mesma. Fi-lo pelo meu genuíno interesse e paixão pelo polo aquático e em prol do seu crescimento.

O meu interesse último é fazer tudo o que estiver ao meu alcance para que o polo aquático em Portugal cresça. É com essa esperança que continuarei a praticar a disciplina e a torcer para que haja um virar de página nesta triste realidade que assombra um dos desportos mais bonitos do Mundo.

*Delegado dos jogadores de polo aquático na Assembleia Geral da Federação Portuguesa de Natação

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