O palco dos sonhos…

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Recentemente a Nike desenvolveu o projeto de ter um atleta (o atual campeão olímpico de maratona) a percorrer a mítica distância de 42 195m abaixo das 2h. Para isso fizeram estudos para arranjar as condições ideais de pista, temperatura, terreno, calçado, entre outras variáveis, no sentido de terem a melhor hipótese possível de realizar esse feito. Falharam por pouco! 2h 00 min e 25s foi o tempo final. Resultado que, no entanto, foi cerca de 2 minutos mais rápido que o atual recorde do mundo.

Isto serve apenas para constatar o óbvio: usufruindo de condições ideais um atleta terá sempre uma maior probabilidade de chegar a um resultado melhor.

Isto é valido no atletismo e para qualquer outra modalidade, incluindo a natação. E é aqui que me quero focar.

Tradicionalmente existem 4 competições em Portugal que se destacam de todas as outras. Os nacionais de curta, o campeonato nacional de clubes, o nacional de longa e o Open de Verão. Salvo raras exceções, a grande maioria dos nadadores aponta para estas competições o pico de forma. É aqui que se esperam recordes pessoais, nacionais e a obtenção de mínimos de participação nas principais provas internacionais.

No nosso país temos felizmente algumas boas piscinas de 25m com características rápidas e com condições para albergar este tipo de campeonatos. Fluvial Portuense destaca-se, mas são também excelentes exemplos Santo António dos Cavaleiros, Funchal, Sines, Silves, Mealhada, Cantanhede, Paços de Ferreira, Felgueiras, Torres Novas, entre outras. Já piscinas de 50m são apenas 3 (e eventualmente uma quarta) as que têm qualidade suficiente para receber estes campeonatos. Coimbra destaca-se obviamente, seguida de Jamor, Funchal e eventualmente o Estádio Universitário de Lisboa.

Se queremos ser melhores, bater mais recordes pessoais, bater mais recordes nacionais e obter mínimos internacionais, não fará sentido assegurar as melhores condições possíveis para que isso aconteça? A escolha da piscina é muito importante. Diria até determinante! Como se pode marcar competições nacionais de Juniores e Seniores para piscinas como Póvoa de Varzim, Famalicão ou Rio Maior?

Percebo que haja uma política de descentralização e eventuais promessas eleitorais que devem ser cumpridas. Não sou contra isso. Mas se uma região não tem uma infraestrutura de 50M com qualidade para receber uma das principais provas nacionais porque se insiste no erro de marcar para lá um campeonato?

Se temos piscinas de 25m de norte a sul com qualidade para receber nacionais porque não rodar essa organização pelas regiões que não têm uma boa piscina de 50M e deixar os campeonatos que têm de ser realizados em piscina longa para as 3 (ou 4) melhores piscinas de 50m do país?

Este problema não deveria sequer ser tema. Basta ver o exemplo lá fora. Nos EUA, os trials são realizados sempre em piscinas excelentes. No Brasil, o principal campeonato do país é quase sempre realizado no Rio de Janeiro no parque aquático Maria Lenk. Se formos a Inglaterra, os trials são sempre no parque aquático olímpico de Londres 2012. Se voarmos até à Austrália, há sempre preocupação de realizar os campeonatos nas melhores piscinas do país. Porque não fazemos disso uma obrigação absoluta em Portugal?

O interesse dos atletas deve ser sempre defendido. Este ano terá sido dado um passo importante com a realização dos campeonatos nacionais de curta no Funchal. Mas logo a seguir a prova mais emblemática da natação portuguesa foi realizada na Póvoa de Varzim.

Dir-me-ão que “as condições são iguais para todos!” ou que “um bom nadador nada rápido em qualquer piscina” ou que “caiem recordes em qualquer campeonato nacional”. Meias verdades. As condições são diferentes para as diferentes provas. Uma piscina com 1.30m de profundidade nas pontas afetará muito mais um sprinter que não vai conseguir saltar convenientemente do que um nadador de fundo. Um bom nadador nada rápido em qualquer piscina, mas terá uma maior probabilidade de nadar ainda mais rápido numa piscina melhor. E a verdade é que caiem recordes nacionais em qualquer piscina, mas se calhar cairiam muitos mais numa piscina com as condições perfeitas.

Basta ver em média quantos recordes por campeonato caiem em Coimbra e comparar com quantos caiem na Póvoa ou em Famalicão. Quantos mínimos para provas internacionais da categoria Júnior ou Sénior já foram conseguidos em Coimbra ou Jamor e quantos foram conseguidos em Rio Maior.

Se num atleta infantil ou mesmo juvenil uma piscina menos boa não trará tanto prejuízo porque ainda estão numa curva de evolução acentuada, num atleta júnior ou sénior todos os pormenores contam. Um bloco menos bom, uma profundidade mais baixa, uma temperatura de água longe da ideal, uma corda fina ou um ambiente mais pesado fazem mesmo muita diferença.

Não se pode realizar um campeonato nacional de clubes na piscina da Póvoa de Varzim quando não é a ideal para a obtenção de boas marcas, quando não tem espaço para todos os atletas e quando o ambiente é extremamente cansativo pelo calor que se faz sentir na piscina. Será justo privar também o público de assistir aquela que é a prova mais emotiva da natação portuguesa?

Os nadadores trabalham demasiado durante 11 meses do ano para verem um pico de forma desperdiçado numa piscina menos boa.

Que no futuro não haja medo de voltar a marcar nacionais para a Madeira mesmo que seja preciso apertar os mínimos de participação ou fazer um esforço financeiro maior. Quem lá nadou este ano, nadou motivado, numa grande piscina e com excelente organização. Que não haja medo de marcar sistematicamente campeonatos de piscina longa para Coimbra e para o Jamor. Tenho a certeza que a grande maioria dos nadadores agradece.

É na piscina que todos os nadadores vão tentar fazer a prova perfeita. E para isso devemos começar por saber escolher o palco certo, porque a piscina escolhida será sempre, para todos os que lá competirem, o palco dos sonhos.

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