Money Talks, Swimmer walks

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O futebol é provavelmente o único desporto em Portugal que oferece uma hipótese de carreira desportiva totalmente profissional. Embora existam outros desportos com ligas profissionais (basquetebol, volley, etc.) são poucos os desportos assim considerados no nosso país. A natação faz parte do leque de desportos que infelizmente classificam de “modalidades amadoras”.

A minha conclusão é que a Natação é desporto profissional mais amador do mundo… ou pelo menos de Portugal.

Como se pode considerar um desporto amador, quando se exige 10 a 12 treinos semanais para ter “sucesso”? O que tem de amador treinar duas horas de manhã e mais 3h e meia na parte da tarde, com treinos ao fim de semana, e competições e estágios pelo meio?

A mim parece-me bastante profissional… ainda que não seja visto desta forma pelo público em geral, dirigentes, clubes, federações e pelo próprio sistema governativo do nosso país.

O nosso desporto evoluiu muito com o início do novo milénio. A verdade é que os Jogos Olímpicos de Atenas não foram assim há tanto tempo e temos atletas recordistas nacionais que ambicionariam finais e medalhas (!!!) nessa competição. Lutaríamos pelo bronze olímpico na prova de 200E tendo em conta que Bovel fez 1.58.80 para o 3º lugar.

O salto de qualidade na última década foi ainda mais brutal. Desde Melbourne 2007 até Budapeste 2017 os tempos que se têm visto são cada vez mais impressionantes. Apesar das condições de treino serem melhores que antigamente, bem como os equipamentos utilizados para competir, a verdade é que nos últimos 20 anos a natação mundial sentiu o boom da profissionalização.

Já em Portugal aconteceu o contrário. Nos últimos 20 anos qualquer nadador português teve progressivamente mais dificuldade em ganhar dinheiro. Aliás nos anos 80, alguns nadadores ganhavam em clubes da capital salários verdadeiramente profissionais comparado com o que alguém conseguiu nos últimos 15 ou 20 anos em qualquer clube nacional.

Claro que ao longo dos tempos algumas instituições desportivas mantiveram, ou tentaram manter, alguma forma de incentivo com maior ou menor dificuldade. Mas houve um desinvestimento enorme.

Quando todo o mundo evoluiu para a profissionalização nós caminhamos para o total amadorismo. Basta olhar para o nosso país vizinho e ver como estamos atrasados.

Isto fez com que os melhores resultados portugueses se devessem sobretudo ao super talento esporádico que ia aparecendo e pela atitude profissional de alguns atletas que mesmo não sendo tratados como tal pelos seus clubes, federação ou pelo país, foram investindo na sua carreira sempre com o objetivo de alcançar mais e melhor, atrasando a sua vida pessoal e profissional futura.

Se nos focarmos nos melhores resultados portugueses dos últimos anos vemos que são de atletas que na sua maioria, sem terem uma base profissional, decidiram dedicar-se à modalidade quase em exclusivo.

Será que é exigido a algum dos medalhados olímpicos do rio 2016, 6/8h de aulas diárias e que depois vá treinar? Será que é pedido a algum desses medalhados que tenha um trabalho de 40h semanais (ou mais) para poder viver e continuar a treinar? Até pode acontecer, numa pequena minoria, mas a grande maioria dedica-se 100% à modalidade.

Felizmente nos últimos 3 ou 4 anos, talvez estimulado por um clube “pequeno” de Lisboa (ESJB), começou a haver mais investimento da parte de outros clubes nos atletas (seja dos clubes grandes ou outros), para que estes se possam dedicar um pouco mais a modalidade, e no final da carreira não tenham que começar totalmente do zero.

A verdade é que mesmo que digam o contrário, o desinvestimento tornou muitas carreiras bem mais curtas do que o que poderiam ter sido, e perdeu-se muito talento no nosso país por isso. É muito difícil dizer a alguém para “atrasar” a sua vida em busca de um sonho, apenas com palmadinhas nas costas. Começa-se finalmente a perceber que os clubes devem agarrar os seus atletas oferecendo-lhes as melhores condições para evoluir, e perseguir os objetivos do atleta e do clube.

Temos de deixar de ser o país que primeiro exige os resultados e depois é que investe no atleta. Temos que deixar de ser o país que critica o facto de um atleta ser abordado/convidado por outro clube, para a sua equipa, onde terá outro tipo de condições. Não será isso bom para o atleta? Não será bom haver uma certa competição dos clubes para terem os melhores atletas na sua equipa, nunca esquecendo que a base do clube sustenta o topo da pirâmide? Não será justo para o atleta poder escolher o clube que mais se adequa aos seus objetivos a curto, médio e longo prazo? Não é legítimo seguir um treinador para um novo clube, procurar uma equipa mais forte para treinar, querer um local de treino com melhores condições de infraestrutura, encontrar um clube que ofereça incentivos monetários ou melhores condições para nadar e estudar/trabalhar ao mesmo tempo?

Eu aplaudo que alguns clubes tentem diferenciar-se nas condições que oferecem aos atletas caminhando para a profissionalização mesmo que isso na maioria das vezes ainda seja uma utopia, seja nos ESJB, no SLB, no SCP ou noutro clube qualquer.

Mas isto não se deve cingir aos clubes devendo também estender-se à federação que deve fazer tudo ao seu alcance para profissionalizar cada vez mais os nossos melhores atletas, não dificultando em demasia o acesso a bolsas, prémios, competições, estágios, etc, que possam desmotivar em definitivo a geração atual e as seguintes.

A natação é um desporto individual e o atleta deve fazer o que é melhor para si. Este deve ser aconselhado e fazer o que entender ser melhor para a sua carreira e objetivos pessoais.

As palmadinhas nas costas nunca conquistaram medalhas. A lealdade a um clube (ou estrutura) é algo bonito e deve ser valorizado sempre, mas nunca deverá ser uma estrada de um só caminho, porque o se o atleta deve ter amor à camisola, a camisola também deve ter amor ao atleta…

Que se invista cada vez mais, para que os resultados que tivemos em Budapeste 2017 não serem uma surpresa e passarem a ser norma, ambicionando e sonhando sempre com resultados cada vez melhores.

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