A partir de agora a natação de Portugal estará mais unida para voos ainda mais altos. O convite para entrar na casa de cada um dos portugueses apaixonados pela natação como colunista deste Jornal online me enche de orgulho. Confesso que a dúvida do tema para a primeira coluna surgiu logo após ter recebido este desafio, escrever para o Chlorus… Então fui direto ao nosso Diretor Joaquim Sousa e lhe perguntei: “Polémico ou não???” … E ele prontamente me respondeu: “… coloca o sangue nisso! Manda cá para fora o que te vem na alma!” Então vamos lá…
A natação entrou na minha vida quando eu tinha apenas 6 anos de idade, 1982. Até este ano minha família e eu morávamos em Charqueadas, interior do Rio Grande do Sul (Estado mais austral do Brasil). Após uma bela oportunidade de trabalho oferecida ao meu pai, mudámo-nos para Porto Alegre, cidade de um dos mais gloriosos clubes do Brasil, o Grêmio Náutico União. Uma das Sedes do União fica situada no bairro Moinhos de Vento, e nós morávamos num bairro próximo, mas o transporte público da época dificultava a ida até o clube. Então minha mãe levava eu e meus dois irmãos todos os dias a pé para as aulas de natação. Era uma rotina cansativa para ela, pois éramos pequenos. Sobrevivência no ambiente aquático era o principal e talvez o único objetivo dela naquele primeiro momento. Na verdade, acho até que ela nunca deslumbrou ver algum de nós como nadadores competitivos, afinal ela nem se quer acompanhava o desporto intensamente. Filha de imigrantes alemães, viveu muito tempo em uma pacata cidade do sul do Brasil, nunca teve oportunidade de aprender a nadar, mesmo morando numa casa que ficava ao lado de um rio, local que quando era pequena quase morreu afogada.
A natação era algo que eu e meus irmãos gostávamos muito (e ao menos eu ainda gosto). Naquela época não tínhamos nenhum ídolo, alguém que nos motivasse a ir todos os dias para a piscina, era pura diversão mesmo. Lembro que quando passei da escolinha para a equipa cadete, eu achava os treinos um tanto abstratos, por vezes não tinha muita noção do que eu andava a fazer ali, parecia faltar algo. Então aos 13 anos optei por mudar de desporto, o atletismo. Nele tive a oportunidade de aprender o significado de ser fã (Joaquim Cruz, Robson Caetano e tantos outros…). Continuei neste desporto até aos 20 anos, época em que conciliar treinos, universidade e trabalho para pagar os estudos se tornou uma tarefa muito complicada.
Mas afinal, o que são ídolos? E qual a razão para refletirmos sobre eles? Ídolo (do grego antigo εἴδωλον, “simulacro”, derivado de εἶδος, “aspeto”, “figura”), na sua origem, é um objeto de veneração que representa fisicamente uma entidade espiritual ou divina, e poderes sobrenaturais são normalmente associados a ele, ou ainda, permitem uma comunicação entre os mortais e o outro mundo. A idolatria pode ser definida como um exercício de adoração de um ídolo, pessoa a quem se tributa grande veneração; pessoa que se considera um modelo a seguir. Ídolos são como super-heróis para crianças, não somente por suas conquistas, mas também pelo seu carisma. Naquela época e durante toda minha adolescência, eu não fui apresentado para ídolo algum. Ou melhor, até fui, aos carrascos Claudio Caniggia e Diego Maradona, atacantes da Seleção Argentina que eliminou o Brasil na Copa do Mundo de futebol de 1990. Chorei o dia todo naquele dia. Na natação, porém, eu não lembro de nenhum nadador brasileiro que ganhou a minha atenção naquela década, afinal a última medalha do Brasil havia sido o bronze em 1980, nos 4 x 200 m livre (que ainda pode-se transformar em ouro se comprovado doping de rivais). Somado a isso, a World Wide Web, ou simplesmente a Web, ainda era uma ficção, nada comparado com o que temos hoje. A mídia era muito restrita à tecnologia da época. Antes desta estafeta, Tesuo Okamoto (1952) e Manuel dos Santos Júnior (1960) trouxeram medalhas ao Brasil. Nos jogos de Los Angeles 1984 tivemos Ricardo Prado (Prata, 400 m estilos).
O facto é que um ídolo não surge de um dia para o outro. Quando um atleta consegue se destacar certamente vai receber cobertura sólida da imprensa, abrindo a possibilidade de se tornar um ídolo. Porém, em muitos casos o ídolo fica restrito a uma parte do público ou do desporto que pratica. Existem aqueles atletas que conseguem transpor estes limites de torcida e/ou fãs de determinado desporto. Ayrton Senna é um belo exemplo de profissionalismo e carisma indiscutíveis, conseguiu transformar-se em figura emblemática dentro e fora do Brasil. O seu comportamento ético e distinto dentro e fora de sua profissão foi que possibilitou a Senna tornar-se um modelo para fãs e para outros atletas. Que criança não gostaria de ter a coragem de Senna? Ainda neste sentido, para as gerações mais jovens, podemos usar o exemplo do tenista brasileiro Gustavo Kuerten, um ‘cara’ que fez o desporto da bolinha que vai para um lado e para o outro passar de chato a inspiração para milhares de jovens e crianças. Guga é apreciado por muitos como um ídolo do mesmo nível de Senna. Não por acaso, o ténis nacional é dividido entre “antes de Guga” e “depois de Guga”. Além de ter vencido três torneios Grand Slams (Roland Garros 1997, 2000 e 2001), ele foi o primeiro tenista latino-americano a terminar o ano 2000 no topo do Ranking Mundial da ATP (Association of Tennis Professionals). Guga alcançou este feito vencendo o Masters Cup de Lisboa, derrotando Pete Sampras e Andre Agassi no mesmo torneio, algo que jamais algum tenista havia conseguido. O maior ídolo do ténis brasileiro está no Hall da Fama da ATP. Gustavo Borges e Fernando Scherer formavam a dupla da natação brasileira entre 1990 e 2000, responsável por 5 medalhas olímpicas. Borges e Xuxa inspiraram as futuras gerações a caírem na água. Bem antes de César Cielo trazer o primeiro ouro olímpico para o Brasil vencendo os 50 m livre em Pequim (2008), o Brasil viu a dupla conquistar o bronze nas Olimpíadas de Sydney (2000) nos 4×100 m livre com Carlos Jayme e Edvaldo Valério. Xuxa também ganhou bronze em Atlanta (1996) nos 50 m livre. Gustavo Borges tem mais 3 medalhas olímpicas no currículo: foi prata nos 100 m livre em Barcelona (1992), e em Atlanta (1996) ganhou prata nos 200 m livre e bronze nos 100 m livre. Londres 2012 foram os Jogos de Cesar Cielo e Thiago Pereira…
Portanto, durante todo nosso processo de desenvolvimento e crescimento, precisamos ter alguém em quem nos espelhar, precisamos de ícones para que possamos ter para onde apontar nossas ambições pessoais. Um ídolo pode ser admirado por seus atos de heroísmo, alguém notável por suas realizações ou sua bravura, alguém que suporta sofrimentos ou que arrisca a sua vida para ajudar alguém. Um ídolo também pode ser admirado por dar o bom exemplo, aquele que pode ou deve ser copiado. Pessoas que estão em destaque irão sempre influenciar outras, seja pelo seu carisma, pelas suas conquistas, pela sua força ou pela sua história de superação. Os eleitos são alvo de admiração, são figuras que admiramos e copiamos. Um desporto com ídolos tem a possibilidade de crescer mais e mais rapidamente no número de atletas filiados, no interesse dos patrocinadores, no espaço reservado na mídia, inclusive nas transmissões ao vivo em TV aberta, e no número de novos ídolos. Mas de onde surgem os ídolos da natação? Do céu? Não… Não somos “Alice” e aqui não é o “País das Maravilhas”… Ídolos surgem do trabalho árduo do pai, da mãe ou do responsável que leva seu filho todos os dias para os treinos. Ídolos surgem da criança que vai para escola, que conta milhões de azulejos por ano e que quer ter uma infância de criança ao mesmo tempo. Ídolos surgem do técnico que passa mais tempo de sua vida com sua equipa de natação do que com sua própria família, aplicando conhecimento baseado em evidências atuais e experiência pessoal. Ídolos surgem da ótima sintonia entre “pais vs nadadores vs Técnicos”. Ídolos surgem da equipa multidisciplinar que está sempre dando o suporte para os técnicos, pais e nadadores. Ídolos surgem da boa gestão e da visão empreendedora dos clubes. Ídolos surgem das universidades, que precisam perceber que manter uma equipa universitária federada é fundamental para que o nadador siga treinando e estudando, e para a própria entidade que terá nestes nadadores uma publicidade de altíssimo retorno (p.s. Campeonatos Universitários em que os atletas se reúnem alguns minutos antes do ‘warm up’ do primeiro dia de provas, acompanhados de pseudo-técnicos e a fim de representar suas Universidades, são na minha opinião uma enorme perda de tempo, um enorme ‘desserviço’ para o desporto). Ídolos surgem da boa gestão das Federações, Ministério do Desporto e Comitês Olímpicos…
Enfim, ídolos surgem da união de tudo isso e de muitos outros fatores que poderíamos listar aqui. Os Jogos Olímpicos de Rio 2016 estão na porta e a maioria das seleções já estão convocadas. No início deste mês, Glenn Beringen (Gold Coast GOLD National Youth Coach) propôs uma breve e interessante reflexão durante uma das palestras da Australian Swimming Coaches and Teachers Association Convention 2016 (#asctaCONV16): A média de idade de nadadores e nadadoras em Londres 2012 foi 24 e 22 anos, respetivamente. Isto significa que os nadadores e as nadadoras de 2020, 2024, 2028 e 2032 já estão nas piscinas do mundo… Sim, já estão nadando! Então eu pergunto, quem são os ídolos da natação Portuguesa para estes jovens?